NESTE ANTIGO DEPóSITO DE VINHO EM MARVILA BRINDA-SE à POESIA DE PESSOA ENTRE PETISCOS E SUBSTâNCIAS PSICADéLICAS

Entre a arte, as bebidas, barra japonesa, taqueria e até um local esotérico, há um novo espaço de sensações para conhecer em Marvila. O antigo armazém de bebidas Abel Pereira da Fonseca fervilha agora com o impulso de criatividade de novos inquilinos, entre os quais a pintora e trisneta do “Abel”, amigo de Fernando Pessoa. No 8 Marvila, a cozinha segue este movimento na irresistível barra do Sugoi!

O património, que encontramos neste bairro antigo de Lisboa, é altamente inspirador. Marvila parece alimentar-se, e alimentar, o espírito criativo, sobretudo no que diz respeito ao espaço de 22 mil metros quadrados, onde Abel Pereira da Fonseca guardava as bebidas que distribuía e, mais tarde, os seus amados vinhos.

É aqui que agora encontramos o 8 Marvila, polo cultural e gastronómico, e que conhecemos Luísa Pereira da Fonseca, a trisneta do fundador, que, desde janeiro de 2024, tem uma galeria de arte à entrada deste lugar. Faz questão de dar a provar os vinhos, hoje produzidos pelo pai, ou a ginjinha com garrafa de edição especial, àqueles que entram para conhecer o seu trabalho. “Estou a conseguir ser reconhecida pelo meu trabalho, como artista, e estar aqui faz todo o sentido, estou maravilhada”. Na Primavera, a pintura passa do preto e branco para outras linguagens, com mais cor. Os vinhos acompanham esta evolução e, provavelmente, o vinho tinto, Val do Rio, Gonçalo Fonseca Colection, que agora ajuda a conversa a fluir, dará lugar a outra referência.

O sonho de Abel Pereira da Fonseca, fundador destes armazéns, sobrevive e evolui. Começar por conhecer o espaço e trabalho de Luísa Pereira da Fonseca, antes depósito de vinho, com um vinil a tocar no prato, decorado com plantas e girassóis, e olhar os quadros, repletos de poesia, é um ótimo ponto de partida para conhecer este armazém de sensações. A artista está a terminar uma pintura que sai do seu espaço, invade a passagem das pessoas e sobe paredes acima, prolongando a sua arte para além da galeria e criando uma ligação física ao edifício onde outrora o trisavô guardava os seus vinhos.

Abel Pereira da Fonseca dispunha vários estabelecimentos de bebidas na capital. Eram tabernas frequentadas por Fernando Pessoa, uma das quais a Companhia Portugueza de Licores, hoje restaurante “A Licorista”, que se assume como o local onde o poeta proferiu o célebre trocadilho “Apanhado em flagrante delitro”. Não eram poucas as vezes em que saia do escritório na Baixa para ir “ao Abel”. Ficava a escrever noite dentro em alguns destes locais, “parece que se sentia bem ali”, e chegou a corresponder-se com Abel Pereira da Fonseca. As cartas sobrevivem e foram motivo de transcrição nos rótulos dos vinhos Casa Abel, produzidos na quinta da família no Sanguinhal. O vinho une-se à arte de múltiplas formas na família Pereira da Fonseca. “Lembro-me da minha bisavó e do meu bisavô a beberem vinho e a pintar, desde miúda estou habituada a ver essa ligação, não esquecendo que todo o processo de cultivo da uva e do vinho ter muito que se lhe diga”.

Sugoi! Kanpai!

Amante de bebidas fortificadas, segundo consta, talvez Fernando Pessoa se tornasse hoje fã de saqué Sugoi, um exclusivo do restaurante homónimo, Sugoi!, chefiado por Rui Rosário, recentemente inaugurado no 8 Marvila. Bem aromático, o saqué é acompanhado pela frescura dos peixes e moluscos portugueses, privilegiados pelo chef e que compõem a ementa, curta e que convida a uma degustação na íntegra. Prove a “Cavala com ponzu e rábano” (€12) , o “Choco, alga wakame e yuzu kosho” (€13), molho feito a partir do yuzu, malagueta e sal , a “Cebolada” de sarajão” (€15), com a pele do peixe tostada e molho confecionado com saqué, vinagre e mirin, todos feitos com arroz fermentado, o “Carapau, gengibre e rebentos” (€10), o “Lírio, mizuna [hortícola que dá lugar à mostarda japonesa mais generalizada no ocidente] e pepino com vinagre umeboshi [ácido e salgado]” (€15), “Ostras, yuzu e ikura” (€12)”. Para aconchegar escolha um dos três ramens da autoria de Nuno Gonçalves, que aprimorou a técnica do ramen e que nos oferece mixologias de sabores idealizadas por ele próprio. Há o “Shoyu” (€16), com caldo shintan de frango, pimenta Sichuan e chasu de porco e ovo marinado, o “Buta curry mazemen” (€14), noodles sem caldo, caril de porco japonês, katsuobushi [atum], gema, cebolete e óleo de chalota, mais o “Spicy Miso veggie” (€13), um cremoso de vegetais e aveia. Termine com pudim japonês levemente salgado (€4).

“Sugoi”, significa “uau” ou “cool”, um adjetivo que se aplica a esta barra japonesa, em que o chef prepara a serve ao balcão e nos surpreende com um lírio acabado de chegar ou com algo fora da carta como ouriços-do-mar. Rui Rosário abandonou a carreira empresarial e começou por ser um autodidata. Em 2018 partiu para o Japão, onde frequentou a Tokyo Sushi Academy, escola onde aprendeu com os melhores mestres. Já em Lisboa, trabalhou na barra japonesa do restaurante Praia no Parque, porém acabou por regressar ao Japão para aprofundar conhecimentos e absorver a cultura e gastronomia locais. É em Tóquio que treina sushi e kaiseki, passa pelo restaurante Hakkoku, em Ginza, e faz um estágio com um chef com estrela Michelin. Na cozinha do Sugoi! também encontramos o brasileiro Éder Nascimento que, desde sempre trabalhou em restaurantes japoneses e passou pelo Nobu, em São Paulo.

O Sugoi! não faz reservas. Funciona de quinta a sexta para almoço e jantar, ao sábado em horário contínuo, das 12h30 às 23h00, e, ao domingo, das 13h00 às 19h00.

Substância psicadélicas, cartas e oráculos

Passamos para um espaço onde deixar as energias fluir, The Cosmic Colective. Constelações familiares, leitura de cartas e oráculos, massagens sacro-cranianas, reflexologia, são algumas propostas deste coletivo. Sugere algo mais disruptivo, o “All about psychadelics”, que consiste em “conversas informadas sobre como navegar em segurança pelas substâncias psicadélicas” (tudo dentro da lei), seja para “autoconhecimento, transformação pessoal, com fins clínicos, terapêuticos ou cerimoniais, individualmente ou em comunidade”. A cada dia da semana encontra pessoas e experiências diferentes no local. Faça uma marcação através do site Thecosmiccollective.simplybook.it

A viagem no 8 Marvila continua pela Taquería Paloma, com um cocktail no Bar à Boca do Mato, um gelado e dónute no Scoop Dough, situado junto à Planta Livre for Home, que tem tudo o que precisa para jardinagem e permite um passeio pelos verdes das plantas com formatos inusitados. Tanto esta área como a de restauração dispõem de luz natural. Os mais aventureiros podem seguir para uma tatuagem no Elisa Resende Tattoo Studio, comprar uma peça de roupa vintage na Anomaly e no Black Mamba, uma fotografia analógica do Lisbon Frame, conhecer as criações de moda de RO Archive e a plataforma de arte contemporânea Because Arte Matters e perceber a subtileza do som no showroom da Marshall. É impossível ficar indiferente à decoração e design de Napo Runa. Noutro dia talvez possa reparar a sua bicicleta na Recicla, experimentar um dos oito campos do Nave Padel e levar para casa uma sugestão da loja de vinhos Cuba nº160.

O 8 Marvila (Praça David Leandro da Silva, 8 Lisboa) é lugar transformador e energizante, a visitar muitas vezes.

Acompanhe o Boa Cama Boa Mesa no Facebook e no Instagram

2024-04-29T14:25:44Z dg43tfdfdgfd