ESTES CAMINHOS SAGRADOS ATRAíRAM UM NOVO TIPO DE PEREGRINOS: APAIXONADOS PELO “FITNESS”

As peregrinações já não são só para os monges. Estas rotas épicas que serpenteiam por entre aldeias medievais e atravessam paisagens rurais atraíram um novo tipo de fãs.

Caminhos bem conhecidos alcançaram recentemente um número recorde de visitantes e foram criadas novas rotas nos EUA, Irlanda, Butão e Sri Lanka. Em 2023, quase meio milhão de pessoas fizeram o Caminho de Santiago em Espanha, uma das peregrinações mais famosas. No entanto, os dados do Gabinete do Peregrino do Caminho de Santiago revelam que apenas 40 por cento dos visitantes o fizeram por motivos puramente religiosos.

Com o aumento das aulas de caminhada nos ginásios e plataformas de streaming e o aparecimento das hashtags #softhiking e #hotgirlwalk em voga no Tiktok, não é de admirar que estes longos passeios na natureza tenham chamado a atenção das pessoas. A plataforma de corridas Spacebib lançou uma colecção de camisolas técnicas com absorção de humidade chamada World Pilgrimage Trails. A plataforma de desafios virtuais Conquerer apresentou um desafio virtual para o Caminho de Santiago que permite ao peregrino acompanhar actualizações através de um smartwatch. O poder da peregrinação aumentou de tal forma que a Global Wellness Summit elegeu as peregrinações como uma das novas tendências de bem-estar de 2024.

Embora as peregrinações sejam cada vez mais populares entre os entusiastas do fitness, continuam a ser uma prática intemporal que combina actividade física, com espiritualidade e crescimento pessoal.

Viagem contemplativa

Uma peregrinação é uma viagem até um local sagrado que pode ser feita a pé, a cavalo ou de bicicleta. Existentes em muitas religiões, estas longas viagens permitem aos crentes testar a sua devoção.

Há centenas de rotas de peregrinação em todo o mundo, e os peregrinos contemporâneos ainda podem percorrer caminhos antigos como o Caminho de Santiago, do século IX, e o seu primo Kumano Kodo, um caminho japonês do século X, ambos Património Mundial da UNESCO. Contudo, surgiram recentemente algumas novas rotas de peregrinação para ajudar uma nova vaga caminhantes a pôr à prova a trindade da mente, do corpo e da alma.

Em 2022, o Butão restaurou o Trans Buthan Trail, um caminho do século XVI, com 12 portelas de montanha que foi outrora utilizado pelos devotos budistas para atravessar o país e visitar os seus locais mais sagrados.

O Sri Lanka inaugurou o Pekoe Trail em 2023, um trilho com 298 quilómetros que liga as cidades de Kandy e Nuwara Eliya, passando junto a um templo em pedra ancestral, grutas e quedas de água.

Em 2024, a Irlanda e o País de Gales irão concluir o Wexford-Pembrokeshire Pilgrim Way, um caminho com 138 quilómetros que começa em Wexford, na Irlanda, e acaba em St. Davids, no País de Gales. O caminho passa por falésias, lagos sagrados e enseadas isoladas frequentadas por focas.

Nos EUA, na Califórnia, os caminhantes podem experimentar o novo Caminho de Sonoma, um trilho com 120 quilómetros que liga a Missão de Sonoma à capela ortodoxa russa de Fort Ross.

Exercício para o corpo e para a mente

Existem duas razões para calçar as suas botas de caminhada, diz Marc Massad, um treinador pessoal sediado no Reino Unido. Além de ser bom para o físico, caminhar também promove a resistência mental.

“Caminhar melhora a saúde cardiovascular, promove a perda de peso e melhora o equilíbrio, a coordenação e a resistência muscular, exercendo um esforço mínimo nas articulações”, diz Massad. “Caminhar também exerce grandes benefícios na saúde. É uma maneira natural de aliviar o stress, libertando endorfinas que podem reduzir os sintomas de depressão e ansiedade.”

Nicole Hu, de anos 27, residente em Chicago, caminhou 120 quilómetros no Caminho de Santiago em Julho de 2023, desde a fronteira portuguesa até Santiago de Compostela, em Espanha. “Eu queria caminhar, estar na natureza e ter tempo para pensar”, diz Hu.

Hu, que já passou férias a praticar mergulho no Egipto e a caminhar no Peru, gostou das regras claras deste desafio medieval. Cada caminhante tem de completar pelo menos 100 quilómetros, coleccionar selos todos os dias e terminar no Gabinete do Peregrino, em Santiago de Compostela.

Embora Hu não tenha achado o terreno particularmente exigente, caminhar até 24 quilómetros por dia com temperaturas a rondar os 38º Celsius revelou-se um desafio. “Foi cansativo, mas muito gratificante”, diz Hu. “É duro para o corpo, mas a disciplina é mesmo boa. Voltaria a fazê-lo, mas durante mais tempo porque acho que se pode aproveitar mais”.

O poder das peregrinações

Paul Christie, CEO da Walk Japan, que organiza caminhadas fora dos circuitos turísticos no Japão, diz que houve um aumento dos participantes em peregrinações guiadas. “A nossa experiência sugere que o interesse nas peregrinações é uma consequência natural do crescente interesse pela caminhada manifestado por uma vasta gama de idades e nacionalidades”, diz Christie.

No entanto, Guy Hayward, co-fundador do British Pilgrimage Trust, que promove peregrinações inclusivas, diz que nem todos aceitam uma perspectiva mais secular. “Existem pessoas mais fundamentalistas que acham que só há uma maneira de fazer uma peregrinação – e tem de ser altamente devota”, afirma Hayward. “Mas aquilo que eu gostaria era que as pessoas percebessem que as peregrinações podem ser uma forma de descobrirem aspectos mais profundos de si próprias.”

Kimberly Davies, uma maratonista de 35 anos de Toronto, decidiu fazer o Caminho Francês – 772 quilómetros desde Saint-Jean-Pied-de-Port até Santiago de Compostela, atravessando os Pirenéus franceses. “Vivemos mesmo no momento”, diz Davies. “É uma bolha de paz. Não há obrigações, nem planos. Não é preciso procurar hotéis, nem restaurantes e adorei estar ao ar livre durante seis semanas. Acho isso muito saudável.”

Embora alguns possam ser inexperientes em matéria de peregrinações, Rick Walsh, um nativo de S. Francisco com 63 anos, visita frequentemente os trilhos do Japão. Percorreu recentemente o Shikoku Wayfarer, um trecho de seis dias da rota de peregrinação que visita os 88 templos da nação insular. Caminhando nas montanhas até à costa do Oceano Pacífico, ele diz que o poder da peregrinação não foi desperdiçado. “Podemos fazer exercício em qualquer sítio, mas é muito especial fazê-lo num local tão singular como o Japão, enquanto participamos numa viagem cultural organizada.”

Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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